A alegria de ficar de fora
O Carnaval se aproxima e as redes sociais já estão pipocando com posts de antecipação a esse evento que é, sem dúvida, um dos maiores acontecimentos anuais do Brasil. Algumas pessoas se preparam meses e meses para a sua chegada, como tão belamente musicaram Tom Jobim e Vinicius de Moraes para a trilha sonora do filme Orfeu Negro.
A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
E tudo se acabar na quarta-feira
Por alguns anos, eu até fazia um esforço para me incluir nessa celebração tão emblemática da cultura de nosso país. Me convencia a participar, mesmo sem muita vontade, e para isso focava na parte que mais me atraía: fazer maquiagens diferentonas, para as quais eu passava horas salvando inspirações no Pinterest. Mas nenhuma quantidade de glitter, estrelinhas brilhantes ou sombra colorida eram suficientes pra me fazer amar esse evento.
Pelo menos posso dizer que realmente tentei antes de afirmar que não é para mim. O passar dos anos me trouxe um entendimento maior sobre mim mesma, e hoje sei que, dessas experiências coletivas, em bando, o que realmente amo são shows de rock - shows imensos, festivais de música. É impagável estar na presença de artistas que melhoraram minha vida com sua música, sentir a aura mágica da minha banda preferida ao vivo, viver a sensação arrepiante de milhares de pessoas cantando juntas. Já ouvi uma psicóloga explicar que muita gente não consegue se lembrar com detalhes de grandes shows, tem apenas alguns flashes, porque a experiência é tão intensa e surreal que o cérebro processa aquilo basicamente como um trauma - dramático, né? Mas faz jus à experiência.
Hoje mesmo vi um post que dizia: “Deve ser triste não gostar de Carnaval”. Mesmo sendo um meme, até poderia despertar uma certa ansiedade, aquela sensação de que estou deixando de aproveitar algo realmente incrível, de que eu talvez devesse tentar mais um pouco. Mas, se for assim, então eu também poderia dizer: “Deve ser triste não gostar de rock, não chorar vendo um show ao vivo, não amar tanto um álbum a ponto de saber ele de cor do início ao fim” [a expressão saber de cor é muito fofa em inglês: to know by heart - saber pelo coração ♡]. Mas não penso que nada disso seja triste, não gostar de Carnaval, ou de rock, ou do que quer que seja. O que é triste é viver tentando se encaixar em espaços que não são os seus, em situações que não te representam. É passar a vida sem se permitir conhecer o que realmente te faz feliz.
Então, a partir desse entendimento, quando vejo pessoas participando dos blocos de rua, com uma bebida na mão e o rosto todo colorido de tinta e glitter, e fantasias incríveis, e batuques sincronizados e eletrizantes tocando ao fundo, eu não sinto FOMO - Fear of Missing Out, termo do inglês que se popularizou muito por aqui também -, não sinto medo de ficar de fora, não me sinto mal por não estar incluída naquilo, não receio estar perdendo aquela experiência. Pelo contrário: sinto JOMO - Joy of Missing Out. A alegria de ficar de fora. A alegria de saber que nem todas as experiências, mesmo as aparentemente mais divertidas, são pra você (já conheciam a variação dessa expressão? Muito boa, né?).
Enfim, a armadilha das redes sociais é que elas mostram recortes minúsculos da vida - geralmente interessantes, divertidos, belos - como sendo a realidade por completo. A mesma foto do glitter no rosto, a bebida na mão, o batuque vibrante ao fundo, pode ser um fragmento de um dia de calor extremo e insalubre, o suor derretendo a maquiagem, a cerveja já quente, o celular perdido na multidão. Precisamos tomar cuidado ao interpretar a embalagem brilhante com que as redes sociais nos entregam recortes de experiências, antes de sentirmos FOMO por qualquer coisa que vemos ali.
Nessas horas, o antídoto que mais funciona é deixar o celular de lado e viver a vida real. JOMO também é sobre isso, sobre o autocuidado que existe em ficar offline, em se desconectar para priorizar os seus próprios interesses e atividades, sem se preocupar com o que os outros possam estar fazendo. Whatever works (amo esse conceito e já escrevi uma newsletter há muito tempo sobre isso).
A woman whose mood improves with a book, a poem, a song or a cup of coffee is not defeated by anyone; even life loses with her.
— Kahlil Gibran.
Obrigada pela companhia de sempre e até março,
Helene.
Exato!! Eh tão bom se reconhecer e fazer simplesmente o que te faz bem e feliz! E o que a psicóloga falou é muito real! A emoção é tamanha, em grandes espetáculos que o organismo reconhece como algo ruim e traumático. Aconteceu comigo no último que fui kkkk. Comecei a ver vídeos que eu não lembrava do momento! Newsletter perfeita! Thanks 🥰
Nada como um livro e se sentir bem de não ter ido! JOMO ❤️