Freud disse: “How bold one gets when one is sure of being loved" (Quão corajoso alguém se torna quando tem certeza de que é amado). Como uma pesquisa que afirmava que vítimas de abuso conseguem se recuperar quando, ao contar sobre a violência sofrida para a família, têm suas experiências validadas, são respaldadas com amor e apoio; enquanto aquelas que são desacreditadas, cujas famílias duvidam de seus relatos, dificilmente conseguem superar o trauma vivido.
A frase de Freud não me leva só a pensar nesses casos extremos, horrendos; mas em simples episódios cotidianos em que a certeza de termos um lugar para o qual voltar – um lar, uma família, uma pessoa amada – nos confere uma confiança diferente, única, nos permite arriscar mais, ousar mais, porque sabemos que seremos amparados, sejam quais forem as consequências.
Mas essa frase parece crescer, ganhar um significado até mais bonito, quando consideramos que “one is sure of being loved” pode se referir a ser amada por si mesma. Quão corajosas seríamos se conseguíssemos nos oferecer o mesmo tipo de amor, admiração e respeito que destinamos a outras mulheres em nossa vida.
O feminismo já nos letrou sobre como nossa insegurança coletiva é uma ferramenta poderosa de controle, de manutenção do patriarcado. Não é à toa que o conceito de “síndrome da impostora” foi criado originalmente para descrever um fenômeno experienciado por mulheres. Então, claro, não dá para considerar como uma “falha individual” algo que é experienciado pela ampla maioria, essa dificuldade em reconhecer suas qualidades, seu valor.
Prestes a fazer 35 anos (!), tenho pensado bastante sobre amor-próprio. Impossível não lembrar da icônica frase da Samantha, em Sex and the City: ao terminar um relacionamento ruim com o primeiro homem que havia de fato amado, ela diz pra ele: “I love you, but I love me more”. Uma bela lição de auto-amor: se retirar de situações que não te servem mais.
You've got to learn to leave the table
When love's no longer being served
— Nina Simone
Falar sobre esse assunto demanda cuidado para não cairmos no extremo oposto, já que uma autoestima delirante pode beirar o egocentrismo. Sei que vocês entendem que não é disso que estou falando aqui, não é pensar “I love me more” para se isolar numa ilha particular dos seus desejos individuais, excluindo as pessoas ou as coisas que importam para você. O auto-amor a que me refiro é o sentimento generoso de olhar para si mesma sem a lente exigente e julgadora que nos é familiar.
Em inglês, o termo self-respect, respeito próprio, é muitas vezes traduzido como amor-próprio. Um bom manual para esse tema é o ensaio de mesmo nome da escritora estadunidense Joan Didion. Releio de tempos em tempos e ele nunca falha em me surpreender (você pode acessá-lo aqui, em inglês). Gosto da ideia dela de que self-respect tem a ver com disciplina; e que as “pequenas disciplinas só são valiosas na medida em que representam as maiores. (...) É uma espécie de ritual, que nos ajuda a lembrar quem somos e o que somos”.
Character – the willingness to accept responsibility for one’s own life – is the source from which self-respect springs.
(Caráter – a disposição de aceitar a responsabilidade pela própria vida – é a fonte de onde brota o autorrespeito.)
— Joan Didion
É curioso pensar nos dois termos, amor-próprio e autorrespeito, porque ambos são traduções possíveis da mesma palavra, self-respect, mas parecem indicar coisas levemente diferentes. Podemos respeitar sem necessariamente amar, mas não o oposto. Então talvez o primeiro passo para a construção de um autoamor sólido, consistente, que não depende de validação externa, seja respeitar a si mesma. Agir de maneira que, pelo seu olhar, seja merecedora desse respeito. Fazer combinados consigo mesma – e ter a disciplina para cumpri-los. Saber o que é inegociável a ponto de conseguir dizer “não” quando necessário. Não tentar suprir todas as expectativas ou ideias alheias. Ter a fibra moral para bancar suas decisões. Assumir a responsabilidade pela sua vida. Nessa nova idade simbólica para mim, quero seguir nessa jornada.
To free us from the expectations of others, to give us back to ourselves – there lies the great, singular power of self-respect.
(Libertar-nos das expectativas dos outros, nos devolvermos a nós mesmos – aí reside o grande e singular poder do autorrespeito.)
— Joan Didion
Obrigada pela companhia de sempre! Se esse texto dialoga com o que você acredita, não esquece de deixar um ♡ aqui embaixo. E me conta: como você cultiva o autoamor? Vou amar saber.
Até julho,
Helene.