Limites inegociáveis
Empathy without boundaries is self-destruction.
(Empatia sem limites é autodestruição.)
— Silvy Khoucasian
A expressão bom senso em inglês é common sense - ao pé da letra, senso comum. Estive pensando nisso depois da sessão de análise dessa semana. Eu estava frustrada porque, mais uma vez, vivi um episódio recentemente em que senti que meus limites não estavam sendo respeitados - e minha psicóloga observou que eu espero o bom senso das pessoas, e por isso me frustro.
Realmente não deveríamos nos frustrar ao contar com o que imaginamos que seja o bom senso comum, afinal, as pessoas são tão múltiplas e distintas que não podemos esperar que o que parece dado, óbvio, pra você, seja o mesmo que pra outra pessoa. Por isso é tão importante comunicar o que se espera.
Também sinto que tantos progressos que já fiz nos últimos anos - como esse mesmo de conseguir estabelecer alguns limites inegociáveis - precisam de manutenção constante, preciso estar sempre atenta pra não retroceder. Se não me vigio, se me deixo distrair um pouco, pareço retornar aos mesmos mecanismos de ceder, ceder, ceder. De chegar a exaustão por sempre colocar as necessidades, os pedidos, os desejos dos outros a frente dos meus. E às vezes isso não se apresenta somente como um pedido alheio pontual, mas também como expectativas e pressões sociais sobre quem devemos ser e que caminhos de vida devemos escolher. Pesado, né?
Não quero dizer com isso que então devemos ser inflexíveis, rígidas, viver sempre de acordo com o nosso umbigo. Pra que qualquer relação possa fruir, precisa haver um negócio que em inglês chamamos de compromise (não, não significa compromisso - se trata de um falso cognato, ou seja, palavras que se parecem em dois idiomas mas que têm sentidos distintos), que significa algo como abrir mão - os dois lados precisam abrir mão, precisam ceder, para o bem comum. Acho esse conceito não só bonito mas muito útil; nem sempre precisamos estar certos ou provar nosso ponto; às vezes só precisamos escutar e respeitar o outro.
Mas não é a isso que me refiro hoje, é àquilo que, se você é mulher, provavelmente já sentiu. É à “síndrome da boazinha”, de sorrir mesmo quando foi perturbada, de morrer de medo de desagradar. Mas como as relações (familiares, de trabalho, de amor, de amizade) podem prosperar genuinamente, num ambiente em que por fora você sorri e concorda mas por dentro você sente que algo está errado?
E é engraçado: impor limites e se fazer ouvir não necessariamente vai contrariar os outros ou afastá-los de você. Talvez seja o que justamente serve para estreitar os laços, pra criar relações mais justas e verdadeiras, de mais confiança e respeito mútuos. Quando penso nas pessoas que mais amo e admiro, isso se dá não porque elas são “boazinhas” ou sempre concordam comigo ou nunca me desagradam - pelo contrário (impossível não lembrar da rainha Rita Lee ♡ hahaha).
Uns dois anos atrás li Essencialismo e, na época, não gostei muito do livro. Recentemente, maratonei vários episódios de Gostosas também choram (já escutaram? É muito bom!), depois escutei uma entrevista da Lela Brandão em outro podcast, no qual ela menciona que uma das leituras que mais recomenda é justamente esse livro.
No mesmo período, eu tinha lido um outro, A única coisa, e achei que os dois traziam mensagens muito similares: a de que precisamos focar no que é de fato essencial (ou, como no segundo livro, na nossa única coisa mais importante), porque é perigosa e ilusória a ideia de que podemos fazer tudo, dar conta de tudo, estar disponível e presente em todas as esferas da nossa vida.
Só quando nos permitimos parar de tentar fazer tudo e deixar de dizer sim a todos é que conseguimos oferecer nossa contribuição máxima àquilo que realmente importa.
— Greg McKeown
Na época, não gostei muito da leitura porque senti que, apesar de não necessariamente se vender como tal, o livro parecia um guia de autoajuda, cujos ensinamentos culminavam sempre no ponto central: como ter sucesso nos negócios. De novo: faz tempo que li e pode ser que eu tenha uma memória errônea sobre ele, ou que, se lesse em outro momento, minha perspectiva seria diferente. Mas deixando de lado esse viés do foco na carreira, faz sentido dedicar um tempo pra realmente entender o que a gente considera essencial de verdade, o que é inegociável, quais limites não podem ser cruzados - nem por nós mesmas. Acredito que ter essa clareza é o passo número 1 pra conseguirmos dizer “nãos” mais certeiros, sem culpa.
Acho que não há resposta ou solução definitiva pra esse assunto, então vou adorar saber o que vocês pensam sobre isso e se também se sentem como eu. E por ora vou me comprometer a olhar com mais zelo pro que de fato cabe na minha vida - e os limites que vou precisar respeitar. Nas raras vezes em que consegui fazer isso, senti que foi um alimento importante pro que no inglês chamamos de self-respect (em português a melhor tradução seria amor-próprio, mas ao pé da letra é respeito por si próprio ♡).
Obrigada pela companhia de sempre e até agosto,
Helene.