Mindful
Essa newsletter de março custou a sair, e fiquei preocupada com isso por dias, porque me comprometi a escrever uma por mês. Se essa edição chegasse na sua caixa de entrada um dia depois, quando já fosse abril, absolutamente nada aconteceria. Zero problema. Mas tenho essa rigidez (palavra que, inclusive, minha analista usou na sessão comigo dessa semana, e que faz sentido total) desde que me conheço por gente. Se eu me comprometo a fazer certas coisas, eu preciso cumprir - e é claro que isso pode ser útil em muitos casos, mas em outros é algo completamente sem sentido. Às vezes sou bem dura comigo mesma.
Mas sei que não estou sozinha nessa. Nas últimas semanas, acompanhei de perto o processo de uma aluna (que vou chamar de L. aqui) que estava passando por um procedimento médico. Nada grave, mas ela teve uma condição meio delicada e isso a afetou, física e emocionalmente. Ela estava frustada porque, nesse período, não estava conseguindo dar conta de suas obrigações, como se exercitar e seguir a dieta. Conversamos um monte sobre tudo isso (em inglês, pois aula de conversação ♡), e tentei mostrar que ela não precisava se cobrar tanto, que estava vivendo um momento totalmente atípico.
Pra lembrá-la de que não precisamos levar tudo tão a sério (tem uma expressão com esse sentido em inglês, don't sweat the small stuff, que seria como não se preocupe com coisas pequenas), contei pra L. sobre uma conversa que tinha tido com outra aluna, a V., que se hospedou recentemente num hotel que foi construído mais de duzentos anos atrás. As pessoas que ali ficaram quando o espaço foi inaugurado já estão todas mortas. É muito louco como construções perduram pra muito além dos humanos que passam temporariamente por ali (o termo em inglês outlive significa justamente isso - viver para além de, viver mais que). E na conversa, a V. citou um texto sobre algo nesse sentido, que dizia que, depois de duas gerações, todas as pessoas são esquecidas (faz sentido, já que normalmente não lembramos os nomes nem mesmo dos nossos bisavós, né?).
Everything that has a beginning has an ending. Make your peace with that and all will be well.
(Tudo que tem um começo tem um fim. Faça as pazes com isso e tudo ficará bem.)
— Buddha
A psicanalista Ana Suy também costuma falar sobre isso; que sabemos que vamos morrer, mas não compreendemos isso de fato. Se tivéssemos real consciência da fragilidade da vida, isso nos paralisaria. Lembrar-se da finitude de tudo - isso pode parecer assustador, mas libertador em igual medida. Conheço muito pouco sobre o Budismo, mas sei que seus principais ensinamentos convidam pra essa consciência da efemeridade da vida, do entendimento de que o momento presente é a única garantia que temos. E vem daí também o conceito de mindfulness - essa palavra se popularizou inclusive em português, e a essência dela é a atenção plena; é viver de forma consciente e intencional.
Be where you are; otherwise you will miss your life.
(Esteja [presente] onde quer que você esteja - caso contrário você perderá [deixará de vivenciar] sua vida).
— Buddha
Trata de saborear a vida; e fica sabendo que a pior filosofia é a do choramingas que se deita à margem do rio para o fim de lastimar o curso incessante das águas. O ofício delas é não parar nunca; acomoda-te com a lei, e trata de aproveitá-la.
— Machado de Assis em Memórias Póstumas de Brás Cubas
Obrigada pela companhia de sempre e até abril,
Helene.