Talvez seja meu sol em câncer que me inclina sempre à nostalgia. Ao revisitar diários antigos, cartas, ingressos de shows, mapas de cidade que visitei (guardo tudo, tudo), qualquer lembrança palpável do que já foi, sinto, de alguma forma, que me comunico com a minha versão do passado. O mesmo acontece quando escrevo - é como se deixasse um registro para minha versão do futuro.
Mas a nostalgia é agridoce; a doçura das lembranças muitas vezes vem salpicada de um gosto amargo ao pensar nos sonhos não realizados, nas expectativas frustradas, nos aprendizados que você desejava ter acessado antes, nas vivências que teria aproveitado de outra forma, se soubesse um pouco mais naquela época, um pouco melhor.
Essa contradição da vida é aflitiva, e entendo quem prefere não olhar nunca pra trás, não reviver memórias, deixar o passado tomar seu rumo natural, inevitável, e se apagar lentamente, menos vívido a cada dia.
Mas me pego reflexiva sempre que esse tema permeia livros, filmes, podcasts - ou até quando aparece como trend nas redes sociais, como aquela sobre tomar um café com sua versão do passado; sinto que me reconectar com versões antigas de mim é uma forma de saber quem sou hoje, de atingir um entendimento mais completo de que todas as coisas, inclusive as que nos envergonham, nos entristecem, nos causam remorso ou culpa, todas elas são tijolos da fundação que construímos para ser quem somos.
Então, trazendo isso pra newsletter, vou escrever sobre os principais conselhos que eu daria para a Helene adolescente, se eu me encontrasse com ela nesse momento:
Não deixe a timidez te impedir de fazer aquilo que você deseja.
Heleninha, eu sei que a timidez que sempre te acompanhou está ainda mais agravada aí nos EUA, porque além de todos os desafios que a adolescência traz, você tem um fator adicional: passar por tudo isso em outro país, precisando se comunicar em inglês - um idioma que você ama, mas que ainda não domina.
Aqui do futuro posso te dizer que, a cada ano, essa presença constante, incômoda, vai se distanciar pouco a pouco, vai aparecer somente em momentos pontuais. A dualidade de ser tímida e falante ao mesmo tempo vai se tornar mais fácil de lidar; seu lado comunicativo vai se sobressair, e você vai descobrir formas de usar isso para driblar a timidez.
E aproveito pra te dizer que esse sentimento não é de todo ruim; ele te ensinou a ser observadora, a ouvir mais, a ouvir com atenção. E esse traço foi essencial pra desenvolver outro, igualmente importante: a empatia. Então, em vez de lutar contra a timidez, tente acolhê-la, sabendo que é uma companhia temporária, e que, mesmo quando fez teu rosto corar e sua voz tremer, ainda assim você conseguiu realizar coisas, mesmo com a presença dela. Lembre-se disso e não deixe que ela te impeça de fazer o que deseja - e de aproveitar!
Considere o curso de letras em vez de jornalismo
Em breve, ainda na adolescência, você vai dar a sua primeira aula particular para um estadunidense muito querido, apaixonado pelo Brasil, e que desejava aprender português. Você vai descobrir o quanto ama ensinar - e também trocar, aprender, com seus alunos. Vai experienciar muitas vezes o sentimento impagável de pensar: “não acredito que esse é meu trabalho, eu facilmente faria isso de graça”. Mas, talvez pela desvalorização da área ou pelo estereótipo - que você detesta - de que “professor é sofredor” (aliás, tem uma newsletter sobre isso), você sequer vai considerar essa carreira como uma possibilidade real. Vai escolher o jornalismo pelo amor que cultiva, desde menina, por ler e escrever. Mas essas duas coisas estão igualmente presentes no curso de letras, que engloba não só a literatura e a docência, mas também sua paixão: as línguas e as linguagens. Considere essa opção. Ensinar é um ofício valioso, e vai te fazer muito feliz e realizada.
Aprenda a investir
Sei que você sempre gostou de trabalhar, que teve seu primeiro emprego aos 16 anos. Mas o trabalho por si só não garante a independência que você tanto almeja; investir seu dinheiro, sim, é um caminho melhor pra isso. No futuro, ao aprender sobre juros compostos, vai entender que o tempo é um ativo precioso quando se trata de investimentos. Use isso a seu favor: quanto antes você começar, melhor, mesmo que seja em quantidades pequenas.
Daqui a alguns anos, você vai notar que, entre as pessoas que conhece, a maioria absoluta dos investidores é homem. Esse ainda é um assunto majoritariamente masculino. Mas, na socidade capitalista que vivemos, dinheiro está atrelado a poder - um poder que deve ser das mulheres também.
Cuidar do seu dinheiro e investi-lo pro futuro vai te trazer tranquilidade, segurança e liberdade de escolha. E um dia você vai entender o quanto isso foi importante para você. Então estude e aprenda a investir desde já.
Por fim, não posso deixar de citar um clássico que eu precisava muito ter escutado naquela época, mas que segue sendo importante hoje: não seja tão dura com você mesma. Se hoje tenho clareza para formular conselhos para minha versão adolescente, foi por tudo que vivi até agora, por tudo que aprendi, por cada escolha feita, exatamente da forma como foi. Então, nada mais justo do que o que disse Alan Rickman:
Dear Me, if in future years, anyone asks you to give advice to your sixteen year old self… don’t.
Make your own unique messes, and then work your own way out of them.
Querido Eu, se, no futuro, alguém lhe pedir para dar um conselho à sua versão de dezesseis anos… não dê.
Cometa seus próprios erros únicos, e então dê um jeito de sair deles.— Alan Rickman
Vou amar saber quais conselhos você daria pra sua versão adolescente! Tem algum que é o mesmo que o meu? Me escreve contando. ♡
Obrigada pela companhia de sempre e até abril,
Helene.
PS: explicando o título da newsletter ♡ em inglês, a expressão "with a grain of salt" é muito usada quando se fala sobre conselhos. Ela significa "não leve totalmente a sério", "leve com uma dose de ceticismo". Por exemplo: Here's some advice, but take it with a grain of salt (Aqui vai um conselho, mas leve-o com cautela). Porque, por mais que conselhos sejam bem intencionados, eles não devem ser aceitos sem questionamento; devem ser interpretados com certa desconfiança, já que nem sempre vão fazer sentido pra você.